UFSC participa de estudo nacional para combate à violência em comunidades
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) está participando de um estudo nacional para adaptação ao país do sistema de prevenção Comunidades Que Cuidam (CQC), programa de origem norte-americana com comprovadas evidências ao abuso de drogas, envolvimento com violência e comportamentos antissociais entre adolescentes.
O projeto é executado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu). “A Fapeu faz a gestão administrativa do projeto, garantindo a qualidade da execução e a transparência do processo de financiamento e de administração das ações, da equipe e dos diversos processos administrativos.
Além de garantir uma prestação de contas bem realizada para a sociedade sobre o uso da verba pública”, diz a coordenadora do trabalho na UFSC, Lígia Rocha Cavalcante Feitosa.
CAPITAIS
O estudo é desenvolvido em 16 comunidades de quatro capitais brasileiras de realidades distintas: Florianópolis, na região Sul; São Paulo, no Sudeste; Brasília, no Centro-Oeste; e Recife, no Nordeste. “O projeto é um estudo multicêntrico que tem como objetivo realizar o processo final da adaptação cultural do sistema Comunidades Que Cuidam ao Brasil, servindo de base para o desenvolvimento futuro do Sistema Brasileiro de Prevenção Comunitária", explica a professora aposentada do Departamento de Psicologia da UFSC, psicóloga e colaboradora do projeto Daniela Ribeiro Schneider. “O sistema de prevenção CQC é uma ação mais ampla do que os programas
preventivos em si, que realizam ações dirigidas aos desfechos previstos em seu desenho lógico. Já um sistema implica a articulação de múltiplos componentes preventivos, tomando a comunidade como sua base de ação”, detalha Daniela Schneider, mestre em Educação pela UFSC e doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo.
Quatro comunidades são abrangidas em cada capital. “Em cada cidade foram escolhidas duas comunidades, com características de vulnerabilidade social ou com uma boa organização de serviços intersetoriais, para receberem a intervenção do Sistema de Prevenção Comunidades que Cuidam e duas que serão comunidades controle, que participarão da testagem, mas sem receber as intervenções, visando ao estudo de eficácia. Sendo assim, haverá oito comunidades-intervenção e oito comunidades-controle”, relata Daniela. Em Florianópolis, as comunidades intervenção são o Centro (especificamente no Morro do Mocotó) e o Campeche; e as controle, Canasvieiras e Ingleses, no Norte da Ilha de Santa Catarina.
DESFECHOS
O projeto é inspirado no Communities That Care, um sistema de prevenção surgido no final da década de 1980 pelos professores David Hawkins e Richard Catalano, da Universidade de Washington. A iniciativa passou por inúmeras implementações, em mais de 500 comunidades e pelo menos 36 países, com avaliações que comprovaram eficácia para a coalizão comunitária, prevenção do abuso de drogas e redução no envolvimento com violência e em comportamentos antissociais entre os jovens.
“O sistema de prevenção intervém em vários âmbitos da estrutura social (indivíduos, pares, família, escola, comunidade) e acaba por mexer nos valores culturais da comunidade. No caso de nosso estudo, os desfechos-alvos são abuso de álcool e outras drogas e questões relacionadas à saúde mental, como depressão, ideação suicida, automutilação e bullying”, explica a coordenadora do projeto.
BASE
O financiamento do projeto, que será realizado até o final de 2026, é da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Além da UFSC, o estudo também envolve as Universidade de São Paulo (USP), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e conta com a University of Miami e a University of Washington, ambas nos Estados Unidos; o Instituto Nuevos Rumblos, da Colômbia; e a Universidade Complutense, de Madrid (especificamente para o projeto de prevenção ao suicídio), como parceiros internacionais.
“Caso seja confirmada a eficácia do Sistema CQC-Brasil, teremos uma boa base para desenvolver um Sistema Brasileiro de Prevenção Comunitária que dialogue com outras políticas públicas nacionais e possa integrar um plano de ação integral no campo dos problemas relacionados ao uso de drogas e ao sofrimento psíquico. E que também abarque ações de prevenção junto com outras de promoção da saúde e cuidado, como as já desenvolvidas, por exemplo, pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps), pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas)”, observa a colaboradora Daniela Schneider.
PILOTO
Entre agosto de 2020 e maio de 2023 foi realizado um estudo piloto, financiado pelas Fundações de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (Fapesc) e de São Paulo (Fapesp), em duas comunidades: uma Florianópolis, em Santo Antônio de Lisboa; e outra em São Paulo. A implementação do sistema se mostrou viável de ser desenvolvido e bem aceito pelas lideranças comunitárias. Porém, em razão da pandemia de covid-19, enfrentou dificuldades que impactaram várias ações planejadas, pois a maioria de suas intervenções são realizadas nas escolas que estiveram sem aulas presenciais por um bom período do estudo piloto.
“Mas as avaliações realizadas mostraram resultados sobre o padrão do uso de drogas dos jovens, indicando algumas temáticas importantes de serem enfrentadas por ações preventivas, como o aumento do uso de tabaco em função das novas formas de uso: cigarro eletrônico e narguilé”, relata Daniela.
REDE
Da mesma forma, o estudo piloto apontou como as meninas estão com um padrão de uso de álcool e já ultrapassaram, inclusive, o padrão dos meninos na maioria das drogas. “Estes dados trazem novas demandas preventivas, sobre tipos de drogas (o cigarro eletrônico, por exemplo) e algumas dimensões que sobredeterminam esse fenômeno, como a questão de gênero”, observa a colaboradora do projeto.
Agora, o estudo está mais robusto, ampliado para oito cidades e 16 comunidades. Em Florianópolis, o projeto ainda conta com o apoio da Associação Empresarial de Florianópolis (Acif). “Estamos também na formação e fortalecimento de uma rede latino-americana de iniciativas do Comunidades que Cuidam, envolvendo os países Chile e Colômbia, que já implementaram o Sistema de Prevenção e tem experiências exitosas, somando-se ao Brasil”, conta a coordenadora da iniciativa.
O trabalho envolve 15 pessoas entre as equipes nacionais da UFSC, USP, UnB e UFPE e mais 10 das quatro universidades e institutos de pesquisa internacionais. “Esse projeto é perfeitamente viável pois já temos várias políticas públicas que têm no território a sua base, como o SUS, com a atenção básica; o Suas, com os Centro de Referência de Atenção Social (Cras) e as próprias escolas públicas encravadas em cada bairro de nossas cidades. Trazer um sistema de prevenção ao uso de drogas e saúde mental que tome o território como sua base, irá dialogar com essas políticas e fortalecer ações intersetoriais”, observa a professora Daniela Schneider. “Além de tudo, fortalece os movimentos sociais e culturais de base comunitária, agregando a esses movimentos um conhecimento científico que pode potencializar a visão e a ação de lideranças comunitárias”, acrescenta a colaboradora.
PROJETO: ESTUDO INTER-REGIONAL PARA A ADAPTAÇÃO CULTURAL DO SISTEMA DE PREVENÇÃO COMUNIDADES QUE CUIDAM AO BRASIL: ENSAIO RANDOMIZADO CONTROLADO / COORDENADORA: Lígia Rocha Cavalcante Feitosa / ligia.feitosa@ufsc.br / UFSC / Departamento de Psicologia / CFH / 25 participantes
* Esta reportagem faz parte da edição 15 da Revista da Fapeu que está disponível na íntegra para download em https://tinyurl.com/RevistaDaFapeu